RENEGADES
- Pedro Pellegrino
- 17 de mai. de 2018
- 7 min de leitura

O quarto e último álbum do Rage, "Renegades" foi lançado em 2000, após o término da banda.
É um disco onde podemos escutar todas as influências da banda, do hip hop ao metal.
O Rage possui uma discografia de apenas quatro discos, mas esses 4 são muito significativos e deixaram sua marca na história da música.
Hoje vamos falar sobre o "Renegades", um disco de covers. Releituras de bandas que Tom Morello, Zack de La Rocha, Tim Commerford e Brad Wilk ouviam em sua infância-adolescência que fizeram os músicos sonharem em um dia estar no palco.
No tributo não havia as bandas mais óbvias: Public Enemy, Clash, Led Zeppelin ou Black Sabbath, essas bandas eram sempre citadas pelos integrantes como suas referências, eles optaram por MC5, Iggy & The Stooges, Devo, e EPMD e Eric B & Rakin.
"O rap de Eric B & Rakim, "Microphone Friend", era uma das atualizações mais óbvias no campo do estilo. Baterias pesadas deram um poder instantâneo à faixa com a linha de baixo fluente de Commerford acompanhando tudo perfeitamente. Apesar da música ser uma recriação relativamente fiel à original, houve outra adição óbvia à versão com a batida funk das cordas da guitarra antes do refrão entrar com apoio total do instrumento. A música original não tinha esse luxo, andando a passo de lesma e sem ênfase alguma ao refrão. A principal diferença entre o rock e o rap estava clara, mas o Rage inteligentemente uniu os dois gêneros díspares, mostrando como eles tinham incendiado o gênero do rap muitas vezes monótono com o brilho vibrante de guitarras de verdade, baixo e bateria.
A força criativa de Morello era tamanha que ele poderia adicionar seu próprio estilo a virtualmente qualquer música existente, como na faixa de abertura onde ele emprestou um riff a uma música que originalmente não tinha nenhum. Apesar de De La Rocha estar claramente prestando homenagem e executando interpretações fiéis aos estilos básicos do rap, não havia dúvida de que ele abrilhantava a música com sua personalidade explosiva, fazendo com que até mesmo uma música de Michael Bolton soasse interessante.
"Kick Out The Jams" é um dos hinos do punk rock mais conhecidos de todos os tempos e uma longa lista de artistas já a homenageou desde que ela foi gravada pela primeira vez há mais de 40 anos pelo MC5 de Detroit. Para uma banda regravar essa música em tempos modernos, eles precisavam alterá-la para fazer com que fosse algo distinto entre tantas versões da mesma. E o Rage fez isso. A primeira coisa que você percebe é como a música é lenta, com um clima quase lounge, perdendo metade das batidas originais e trazendo Zack De La Rocha em uma performance que talvez seja a sua primeira com um vocal continuado. Como ele demonstrou de forma habilidosa, sua voz tinha vários níveis e era adaptável. Em uma primeira audição, a intimidade lenta dessa versão era uma decepção e não soava nem como MC5 nem como Rage Against The Machine ( a versão ao vivo também presente no álbum é mais rápida e fiel à original). Mas o funk lento e assustador gradualmente construía seu caminho e os ouvintes acabavam se surpreendendo com a capacidade do Rage ao abordar um clássico de forma única. Houve até espaço para um solo mais comum de Tom Morello recheado de texturas inusitadas.
O cofundador do MC5, Wayne Kramer, não apenas ficou impressionado com a adaptação, mas também comentou sobre a abordagem política do Rage e seus benefícios. "As coisas sobre as quais o Rage Against The Machine está falando são basicamente as mesmas sobre as quais o MC5 falava, " ele disse ao Chicago Tribune, "que todos os liberais e revolucionários falaram nesse país indo até Thomas Paine. E não é glamoroso ou sexy ou excitante. Estamos falando sobre justiça, educação, saúde e emprego- os blocos fundamentais para uma civilização.
Logo depois vinha o riff do álbum, e sua peça central. Ao fazer uma cover de "Renegades Of Funk", o Rage catapultou um riff cheio de funk que se adaptou à letra e aos vocais explosivos de forma perfeita. A música cita nomes como Dr.Martin Luther King, Malcolm X e o já mencionado Tom ( Thomas) Paine, um revolucionário inglês, combinando o reconhecimento de figuras históricas radicais com a chamada por uma nova revolução- começando com pessoas comuns.
Essa era uma música perfeita para o Rage gravar, com letras totalmente revolucionárias e uma jam sensacional como base, elevada ao máximo. Talvez a parte lírica mais impressionante do álbum esteja nessa música, com De La Rocha fazendo um rap à velocidade da luz, tão rapidamente que você mal consegue seguir as palavras a tempo, mesmo com um encarte. A versão original de Africa Bambaataa iria decepcionar aqueles que foram atrás dela depois de ouvir a versão do Rage. Com uma batida persistente, resquício do rap do ínicio dos anos Oitenta e linhas vocais intermitentes, a canção soa mais como um integrante ruim em uma trilha sonora dos anos Oitenta, de forma oposta ao revolucionário chamado às armas. O Rage mostrou mais uma vez como seus talentos eram amplos e como eles poderiam transformar uma gravação antiga em algo magnífico.
Chame- o de pop, synth, new wave, pós punk ou excêntrico- o quinteto conhecido como Devo forma uma banda normalmente lembrada por vários músicos que pensam de forma alternativa. Seu material mais pra cima era pegajoso mas incomum para estar completamente ligado ao mainstream. De todas as faixas que o RATM poderia regravar, a mais peculiar parecia ser "Beautiful World" ainda que seja justo dizer que a banda a transformou em algo próprio e trouxe uma qualidade emocional inusitada à gravação, que está inteligentemente colocada entre o poderoso funk de "Renegades..." e o hip-hop seguinte de "I'm Housin". Droga, essa faixa quase roubou o show com sua emoção sussurrada que toma ar somente para lamentar a letra melancólica. A letra, quando lida de forma sóbria em uma página, parecia inofensiva e virtualmente insignificante, mas quando gritada cheia de emoção por De La Rocha, ganhou uma nova vida.
A versão original de "I'm Housin" do EPMD é um hip hop direto com uma vibe mais lenta, que faz lembrar Tone Loc. Não havia uma guitarra explosiva ou divisão entre o "refrão" que grita "Cos I'm Housin", que foi algo acrescentado pelo Rage. De La Rocha mostrou sua competente habilidade para o rap e replicou os versos com muito domínio. Com os barulhos de guitarra combinados ao fundo e um jogo de palavras sussurrado, a música ganhou um lado sombrio, antes de explodir no refrão mais uma vez, mostrando que até a faixa original mais comum poderia ser elevada com um conjunto certo de músicos capazes.
"In My Eyes" do Minor Threat vem na sequência. A versão original era algo típico de Ian Mackaye e sua trupe, exalando a angústia do hardcore dos anos Oitenta: tudo rápido, furioso e barulhento. O Rage simplesmente emprestou uma nova dinâmica à música e uma performance impecável de Morello. Essa música deu uma licença a todos os membros da banda para que eles retornassem às origens do punk através de uma das maiores bandas a terem surgido do hardcore.
Zack mostrou que ainda tinha fúria e capacidade para trazer às suas antigas influências, cantando a letra perspicaz que parecia resumir tudo que o RATM estava fazendo: "Você me diz que eu não causo impacto, pelo menos estou tentando/ o que você já fez?
Em consideração a outra banda de hip hop, parecia apropriado gravar uma música do Cypress Hill. Eles escolheram "How I Could Just KIll A Man", uma faixa do álbum homônimo de estreia da banda, que foi a única no álbum que o Rage não conseguia inflamar com seu próprio estilo. Os sons de funk da guitarra soam muito tímidos e a falta de um front man anasalado ( como o principal guitarrista do Cypress Hill, B-Real) significava que o material não tinha direção e soava como apenas mais um som de rap rock, se misturando a outras faixas ordinárias do mesmo período. Ambos RATM e Cypress Hill eram melhores que isso. Na verdade, o último iria gradualmente colocar mais peso em seu repertório à medida que a carreira ia em frente, eventualmente trazendo um set completo de rock na seção "Bones" do seu quinto álbum de estúdio, o disco duplo Skull & Bones.
A combinação do espírito original de "How I Could Just KIll A Man" e o toque do Rage era evidente, e fez mais sentido na versão ao vivo incluída ao final do álbum Renegades, onde B-Real e Sen Dog do Cypress se juntam à banda.
Depois da inclusão da cover de Springsteen "The Ghost Of Tom Joad" ( em um álbum pela primeira vez), era vez da cover do Stooges, "Down On The Street". Novamente, muitas bandas prestaram homenagem a Iggy Pop com dezenas de covers que iam das mais simples até outras decentes, mas essa cover em particular era de uma das músicas menos conhecidas dos Stooges, que está no segundo álbum da banda, Fun House. Esse álbum tornou-se influência para vários e vários músicos do hardcore, punk e música alternativa. Havia várias outras faixas dos Stooges que poderiam ter combinado mais com o Rage, mas eles optaram pelo caminho menos previsível, e no processo deixaram claro o quanto seu material era único.
Talvez uma das escolhas mais autoexplicativas tenha sido a cover de "Street Fighting Man" do Rolling Stones, e ao ler a letra da música, sua metodologia ficou clara. "Hey! Acho que a hora é certa para uma revolução", diz Mick Jagger, "Mas onde eu vivo o jogo a se jogar é o de se comprometer com uma solução..." Aí sim! Verdadeira propaganda do Rage e a banda conseguiu dar nova vida a um padrão do rock desgastado, trazendo os sensos de urgência e efervescência.
Quando Renegades funcionava, mostrava os valores do talento do Rage e fazia com que todas as bases de seu som inovador ficassem expostas, mostrando toda a beleza das músicas originais- algo difícil de conseguir. Nas raras ocasiões em que não dava muito certo, ainda era bom pra caramba. O álbum não estaria completo sem uma homenagem ao folk/blues de protesto de Bob Dylan e ela veio na forma de "Maggie's Farm", de 1965. Ali estava uma das melhores conversões de simples vocais e guitarras para um monstro do rock. Os sentimentos exaltaram as raízes de protesto e socialistas do Rage e De La Rocha trouxe outra interpretação impecável em mais um estilo de música diferente.
O álbum também ficou marcado pela produção de Rick Rubin ( com assistência do RATM e de Brendan O'Brien em "The Ghost Of Tom Joad"). Rick era um gigante do rap rock que tinha sido responsável pelas carreiras de nomes como Slayer e Beastie Boys e era um par perfeito para o Rage Against The Machine, apesar de ser interessante notar que seu estilo comum de grudar cada música na próxima com quase nenhuma pausa entre elas não esteve muito presente em Renegades. Cada música tinha tempo para respirar. Com tamanha profundidade e um espectro complexo de músicas, essa foi uma decisão sábia. O disco Renegades não seria lançado até o final de 2000, mas a essa altura do campeonato o Rage Against The Machine tinha chocado seus fãs... ao encerrar as atividades".
( Rage Against The Machine- Guerreiros do Palco- Paul Stenning- Tradução: Tony Aiex- Editora: Edições Ideal)
Agora, caro leitor, escute o álbum inteiro lendo sobre as histórias das músicas que relatamos acima.
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